quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

O Grande Roubo.


Era uma noite fria numa cidadezinha da grande Porto Alegre. Cidadezinha na época. O vento forte perto da meia-noite nada queria dizer senão que era inverno, e dos brabos. Noite perfeita sem luar. Perfeita para cometer um crime, o primeiro desta natureza em minha curta carreira de bandido.

O alvo estava certo, uma residência quase em frente à residência da mente criminosa por trás desta operação friamente – com relação ao clima – calculada.

Seriamos só eu e meu mentor, meu tio e padrinho. Minha mãe ficaria orgulhosa dos bons préstimos que o seu irmão, meu Godfather Bagual dava para a formação de seu afilhado.

Não me recordo bem dos trajes do meu padrinho, do alto dos seus 1,90m (ainda há controvérsias familiares sobre sua real altura) ele vestia algo que realmente não me marcou, diferente da minha bota de borracha, daquelas de chuva, e meu agasalho de algodão, com um capuz cuja cara eu tentava esconder em vão. Minha roupa era cinza quase que como um ninja em formação. Eu usava uma balaclava – popular “touca ninja” que de ninja não tem nada - de mesma cor, arrisco a dizer que fora feita ou pela minha avó, mãe do meu padrinho, ou pela minha bisavó, avó do meu padrinho.

Minha tia, esposa de meu padrinho odiava quando ele tinha estas ideias estapafúrdias. Sim, éramos reincidentes.  Certa vez ele, junto com minha tia e minha irmã, nos levou ao seu trabalho, de madrugada para surrupiar duas, sim duas garrafas de Pepsi-cola da geladeira do governo. Ele era funcionário público. 

Fora a primeira e única vez que vi, com a luz de uma lanterna, uma lebre.
Voltando ao crime, atravessamos a rua sob um vento insuportável que, mesmo pra mim que adoro a brisa forte, estava assustador. A rua estava vazia como se fosse uma cidade fantasma.

Confesso que não me recordo de como entramos no primeiro portão. Aqueles portões de grades com lanças. Realmente minha memória me traiu agora. Mas já dentro do terreno, só tínhamos uma maneira de cometer o furto que era pulando o portão lateral, que da mesma forma que o portão frontal, era de grades com lanças. Porém deste portão eu lembro bem, com dois lances de lanças, uma a mais ou menos 60 cm do chão e outro mais alto, uns 2m. Ai que surge o ladrão...de galinha.

Lembro bem que naquela época – bem como em todas as outras fora quando joguei futebol amador – eu era gordinho. Gordinho porque jamais me chamaria de gordo ou obeso.

Foi ali, naquele lugar, naquela noite fria e ventosa que eu descobri que jamais seria do crime. Ao tentar escalar o portão, minha bota de borracha furou em uma das muitas lanças do portão e fiquei pendurado a apenas 60 cm do chão. Na época eu tinha uns 10 anos e menos de 1,50m. A cena, antológica, quase pos tudo a perder. Mas com uma clássica ajuda de meu padrinho, me empurrando pela bunda, conseguimos adentrar no quintal da casa.

E como dois larápios, furtamos uns 4 Kg de laranja do pé carregado que ficava nos fundos da casa vazia. Os donos possivelmente haviam ido de férias para algum lugar mais quente ou mesmo pescar na praia – comum fazer isto no inverno lá pelas bandas de Pinhal.

Mesmo eu fazendo barulho em excesso e gelado de frio e medo, o cachorro do vizinho não conseguiu que nos descobrissem, mesmo que os moradores da residência ao lado tenham acendido a luz para ver o que o vira-latas estava latindo.

Voltamos, não me lembro como, e mesmo que eu tivesse feito uma força involuntária não fomos pegos. E eu ainda me pergunto, com um sorriso nos lábios, porque corri tamanho risco se nem de laranja eu gosto!

Mas eu sei porque...

Porque era com meu padrinho. Era o cara que gostava de correr riscos necessários. Que infância eu teria se não tivesse pulado a casa do vizinho para furtar as frutas, mesmo não gostando delas?

Que graça teria a minha vida se eu não pudesse rir de mim mesmo e fazer meu padrinho rir, a família toda rir das nossas histórias?

Seja furtando refri, laranja, acampando, pescando ou contando piadas velhas, sempre irei me lembrar de como tive momentos maravilhosos com meu padrinho. Dos vários churrascos demorados que fazia até das musiquinhas que ele cantava, e é claro, das putarias que sempre acabava com as conversas mais sérias.

Desde que fui ao Rio Grande do Sul para me despedir de meu padrinho, eu jamais tive um momento destes, de lembrar as coisas que fazíamos juntos e das milhões de risadas que demos juntos. Um dia depois que cheguei lá, ele resolveu que era hora de ele ir. Quando seu coração parou, o meu e o de muita gente também o fez, mesmo que fosse por breves segundos.

Não terei mais as conversas gigantescas pelo telefone...

Não dói, juro que não dói, Dindo, mas a saudade é muito grande. Não sinto que não te aproveitei ao máximo, eu sinto que você foi muito antes do tempo.

Mas fazer o que?

O grande roubo foi você ter ido assim...

A saudade, quando não cabe dentro da gente, sai em forma de lágrimas, como diria algum poeta por ai.

Sei que jamais serei um padrinho como tu foste pra mim. Agora tentarei ser o melhor padrinho me espelhando em ti, mas mesmo assim, quem ensinará meu filho a roubar laranja do vizinho?

Ainda sou aquele menino, fantasiado de pirata, sentado nos teus ombros...

Esta estrada esta mais triste...



PS: Este talvez não seja o pior post do mundo, mas pra mim é o mais triste.

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